quinta-feira, 9 de julho de 2009

Violência contra a mulher: Amor que fere


Quatro horas. Esse foi o tempo necessário para Adalberto França amarrar e torturar a esposa, Luciana Lopo, uma assistente social. O professor de Educação física atirou na genitália da vítima, queimou as costas e o pescoço dela com leite fervente, espancou, e, ainda, utilizando uma faca fez diversos cortes no corpo e no rosto, quebrando-lhe os pulsos. O advogado do agressor já disse que vai alegar que o cliente teve uma perda “temporária da sanidade”. Já a polícia vai utilizar a Lei Maria da Penha, que protege mulheres contra agressões físicas e psicológicas.

Luciana Lopo é uma das milhares de mulheres que vai ter a vida marcada pelo trauma de sofrer violência física e, acima de tudo, moral, do companheiro, que um dia trocaram “juras de amor”. Muitas mulheres até hoje passam por esse tipo de humilhação. Independe de classe social. Luciana, por exemplo, é de classe média alta e mora em um dos bairros mais nobres da Região Metropolitana. Ela não queria denunciar o marido. Assim como tantas que ainda escolhem o silêncio como a melhor arma.
Mas, esse quadro, aos poucos, vem mudando. Em Salvador, entre 1º de Janeiro até o fim do mês de junho de 2009, a Delegacia Especial de Atendimento à Mulher registrou 4075 casos. A delegada, Isabel Alice conta que “denunciar a violência contra a mulher é a melhor solução”.
As estatísticas apontam que, no Brasil, a cada minuto quatro mulheres são espancadas e, uma em cada cinco, declara espontaneamente ter sofrido algum tipo de violência. O estudo ainda revela que em cada grupo de 100 brasileiras, mais de 20 são agredidas dentro de casa. Sete em cada dez dessas vítimas têm como carrascos alguém conhecido, especialmente, o atual ou ex namorado, companheiro, noivo ou marido.
O fato ocorrido com Luciana Lopo relembra a saga sofrida por Maria da Penha Maia Fernandes. Maria da Penha foi vítima de violência praticada por seu ex-marido, que disparou contra ela, em uma tentativa de homicídio - o que deixou seqüelas permanentes: um verdadeiro trauma e paraplegia nos membros inferiores. Após retornar do hospital, ainda em recuperação, a biofarmacêutica sofreu um novo atentado: não contente, seu ex-marido, tentou eletrocutá-la enquanto tomava banho.
Entre a prática dessa dupla tentativa de homicídio e a prisão do criminoso passaram nada menos que 19 anos e 6 meses, graças aos procedimentos legais e instrumentos brasileiros vigentes à época, que colaboraram para a morosidade da Justiça.
O episódio de Maria da Penha passou pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos e foi levado à Corte Interamericana de Direitos Humanos, pois se vislumbrou a demora da justiça penal brasileira em julgar o fato. O nome dado à Lei revela a realidade social vivenciada no Brasil: mulheres que são submissas e violentadas pelos seus companheiros. Com isso, vale ressaltar a importância da criação da referida Lei, que propõe efetivo amparo à mulher em suas relações domésticas e familiares.
A medida alterou a Lei de Execuções Penais, o que passou a permitir que o juiz pudesse determinar o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação, o que antes não acontecia. As investigações também passaram a ser mais detalhadas, com depoimentos também de testemunhas. Antes, o crime de violência doméstica era considerado de "menor potencial ofensivo", e julgado nos juizados especiais criminais junto com causas como briga de vizinho e acidente de trânsito.
A Lei 11.340, no seu artigo 5º define a violência contra a mulher e define a violência doméstica. Segundo o caput do referido artigo, violência contra a mulher é "qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial". O artigo também inaugura a disciplina normativa dos destinatários primeiros dessa lei: a vítima - sempre a mulher - e o agressor, podendo ser o homem ou outra mulher.
A violência é considerada como doméstica se a ação ou omissão a que se referiu o caput ocorrer no "espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas" (inciso I). Como se pode observar, na seara doméstica, o agressor pode não ter relações familiares com a vítima, mas deve necessariamente conviver de forma continuada, com ela.
Considera-se que a lei Maria da Penha representa um marco na proteção da família e um resgate da cidadania feminina, na medida em que a mulher ficará a salvo do agressor e, assim, poderá denunciar as agressões sem temer que encontre com o agressor no dia seguinte e poderá sofrer conseqüências ainda piores. É um grande avanço. Mister se faz destacar que, a violência doméstica retrata uma manifestação de poder que, há anos, é desigual entre homens e mulheres. A Lei Maria da Penha,que é uma lei afirmativa, assim como outras que protegem os consumidores, idosos, crianças e preveem cotas de negros para ingresso em universidade, deve ter sua constitucionalidade assegurada para a defesa e respeito da dignidade feminina.

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